terça-feira, 31 de agosto de 2010

O Ceguinho do Farol

by Betha M. Costa


Há anos o homem tem aquela esquina como local de trabalho. Ao fechar do farol, um ruído alerta e ele se aventura entre os carros. Olhos abertos, na mão direita a bengala branca perscrutando o chão e arredores para livrá-lo dos perigos. Na esquerda um saquinho de chicletes para venda. Vai de janela em janela dos automóveis. Alguns motoristas compram. A maioria nem abre o vidro... Tantos assaltos!


Eu e mano o chamamos carinhosamente de “Nosso Ceguinho”, por que ele já faz parte das nossas vidas. Todo fim de tarde, na volta do serviço - chova ou faça sol - aquele homem a quem tomamos afeição está no nosso caminho para casa. Meu irmão pára o carro e diz:
- Ei amigo, põe a mão aqui!Nosso amigo reconhece sua voz, vem pega as moedas e diz:
- Chicletes, senhor?
- Não, obrigado, amigo! 
- Obrigado, senhor!Deus lhe abençoe, senhor! E seguimos nosso caminho.


Muitas vezes já vimos uma mulher com ar humilde o beijar e guardar o dinheiro da venda dos chicletes ou dos donativos que recebe. Mas, nós o conhecemos: sabemos que para ele é importante levar dinheiro para sua família e continuamos de segunda a sexta-feira a fazer à mesma coisa.


Nos dias que ele não vem ficamos preocupados. Especulamos que talvez esteja doente ou tenha sido atropelado pelo carro de um desavisado de sua presença naquele farol. Que apreensão! E que alegria quando ele aparece!...Respiramos aliviados.


Um dia, chateado de não comprarmos seus chicletes e sempre deixarmos o dinheiro dos pães, o Ceguinho insistiu com o mano:
- Chicletes, senhor?
- Não!Obrigado, amigo!
- Por favor, senhor, pegue os chicletes! 
- Não é preciso, amigo! 
- Por favor, senhor leve os chicletes!
- Venda para outra pessoa, amigo! 
- O senhor nunca leva os chicletes, senhor!... E meu irmão vexado com a situação, querendo deixar os chicletes para o moço vender e conseguir mais dinheiro para si e sua família disparou:
- Eu e minha irmã não podemos mascar chicletes: usamos dentaduras!
- Ó, desculpe senhor!...Deus lhe abençoe, senhor! O sinal abriu e seguimos em frente. Eu não sabia se ria ou chorava com a cena que presenciara. Só sei que “Nosso Ceguinho” nunca mais insistiu que ficássemos com os chicletes...

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