terça-feira, 26 de outubro de 2010

O Sumiço do Ferroviário

by Betha M. Costa


Santa Luzia do Mururé. Cidadezinha embrenhada no noroeste do Pará. Ligada a outras localidades pela Maria Fumaça que se encostava à Estação Ferroviária Luziense. Havia também a estrada de piçarra vermelha em ambos os lados da ferrovia, por onde se podia seguir viagem a cavalo, a pé ou de carroça. Carruagem nunca se viu por aquelas bandas.


João do Trem, conhecido e estimado pelo povo, além de maquinista da Maria Fumaça cuidava da administração da Estação. A vida no lugar tinha poucos atrativos: compras no Mercado do Pirão, no Armarinho do Zé Fraqueza, passeios na Praça da Matriz. Havia ainda as missas insossas de Padre Honório e os arrasta-pés nos sábados à noite. A monotonia só era quebrada pelos apitos do trem a chegar com novidades.


Um dia o trem não chegou. Semana passou sem que ninguém tivesse notícias nem da máquina nem do maquinista. Um grupo de homens seguiu a cavalo ao lado dos trilhos para apurar o que acontecera. As mulheres, lideradas por Cezinha do Tricô, mulher do ferroviário, iniciaram uma Trezena para que Santa Luzia. Assim os caminhos do homem se iluminariam e ele voltaria para os seus...
Meio dia de viagem. Os homens avistaram o trem parado na estrada de ferro: de um lado mata, do outro um igarapé de águas negras. O transporte vazio de pessoas e bagagens. Um rastro grosso e sinuoso para dentro d'água chamava atenção. No centro dos mururés, o corpo do pobre João do Trem: inchado, tecidos decompostos e com algumas partes devoradas. Ninguém conseguiu tirá-lo das águas. A Boiúna vigia com seus olhos de fogo o local e usava o corpo como alimento para seus filhotes.


*Boiúna - cobra grande.
*Mururés - plantas aquáticas comuns na Amazônia.

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