terça-feira, 24 de agosto de 2010

A Criatura – Final

by Betha M. Costa


Sem contato com outros seres humanos *Ailã foi criado em completo isolamento. Aos cinco anos de idade já demonstrava desprezo pela vida: matava pintinhos da criação da mãe com requintes de perversidade. Primeiro furava-lhes os olhos com gravetos.Repetia o ritual pelos corpos.Sugava o sangue e depois de lhes torcer os pescoços, pendurava os cadáveres num arbusto como ornamentos de uma sombria árvore de natal.


Quanto mais crescia mais aumentava sua maldade e insensibilidade. Passou a incendiar roçados, torturar, matar ou aleijar animais. Era capaz perseguir sua presa por quilômetros nos arredores ou na mata.Jamais perdia o rumo, por que era parte daquela terra bela e selvagem.


Aos quinze anos, corpo coberto de pelos, um metro e oitenta centímetros de altura e olhar que causava pânico até nos pais; além de beber o sangue começou a comer carne crua.A vizinhança falava de um “bicho” que atacava seus roçados e suas criações, aleijava e matava seus animais. O medo alastrou-se. As crianças ficavam trancadas nas casas.Os adultos iam para as lidas armados e atentos a quaisquer alterações.


Sua mãe Dona Flora era devota de São Jorge. Na madrugada do dia 23 de abril, dia do santo, o Guerreiro apareceu para ela. Levou-a pela até a beira de um rio de areias finas e brancas. No local havia um imenso crucifixo e ardia uma fogueira que tinha chamas com as cores do arco-íris.São Jorge perguntou a mulher se ela acreditava em Jesus como seu Salvador e o Bem Supremo.Respondeu que sim.


De repente surgiu Ailã gritando todo tipo de blasfêmias e imundícies enquanto vomitava animais asquerosos. O Santo entregou a Flora uma espada parecida um crucifixo e ordenou que fosse atirada no peito da “Coisa”.A mãe retrucou que não podia fazer aquilo a quem havia dado a vida.Foi advertida que exatamente por isso só ela lhe libertaria.Tomada de sobrenatural coragem ela lançou a espada bem no meio do peito da criatura.Imediatamente dezenas de sombras disformes, aos gritos abandonaram o corpo no chão que passou por inacreditáveis transformações até dar feições a uma bela jovem morena, a verdadeira filha de Flora. Fora oferecida ao Demo por seu marido Gumercindo durante a gravidez.


*Ailã - na língua indígena Macuxi significa entidade mític

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