sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Dona Doida

lustração : Flavio Rossi/Almanaque Fantástico









by Betha Mendonça

Mulher. Corpo avantajado. Meia idade. Devia ter entre 50 e 55 anos. Vestia andrajos que quando novos deveriam ter jeito de trajes ciganos; saia longa colorida, blusa decotada com babados e mangas bufantes.

Braços e pescoço cheios de bijuterias baratas (algumas quebradas) escondiam rugas da pele mal tratada pelos anos. Maquilagem exagerada e mal feita no rosto triste e envelhecido, Aos lábios, batom forte tom carmim que contratava com a tez muito branca e os olhos azuis apagados.

Contava seis ou sete anos quando vi Dona Doida pela primeira vez. Diferente das outras crianças, eu não tive medo dela. Ao contrário, além da curiosidade pelos seus modos extravagantes, simpatizei com ela ao primeiro olhar. Fizemos amizade. Nas duas ou três vezes na semana que passava na minha rua conversamos. Ela dá-me doces e eu trazia de casa café e biscoitos que adoçavam nossas conversas. Mantivemos esse contato até mais ou menos meus doze anos, tempo que mudei de endereço e nos perdemos de vista. 

Dona Doida, aliás, Dona Esmeralda era do sul, ganhava a vida lendo o futuro das pessoas nas cartas de tarô e nas palmas das suas mãos. Ela sabia que a julgavam maluca e não se importava: também achava que os outros é que eram malucos. Era feliz. Não tinha menor vontade de mudar seus hábitos e jeito. Aconselhava-me sobre família, amigos e escola. Eram encantadoras as suas histórias.

Há dois dias, chuva forte aqui na cidade. Alagamentos em vários pontos. Presa no transito que insistia em ficar parado ouvi um garoto gritar aborrecido: 
- Está doida, dona! E lá estava à mulher, vestida de muitas flores no meio do caos entre os carros, a oferecer préstimos de quiromancia. Não, não era Dona Doida!Mas, como eu gostaria que fosse!...

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