segunda-feira, 30 de agosto de 2010

O Lambe-botas

Betha M. Costa


Era um homem de pouco corpo. Desses que uma mulher ao ver na rua nunca virava para uma segunda olhada. Óculos em descompasso com o rosto chupado, roupas mal talhadas com aspecto de velhas e amarrotadas. O dito estilo despojado para qualquer conhecedor de moda...Nas mãos um lenço para tentar segurar a coriza da rinite crônica.


Estava sempre perto de grupos ou pessoas a quem pudesse proferir elogios toscos e principalmente fazer favores. Sim, sentia-se realmente útil e grande!Desprovido de talentos que levassem outrem a admirá-lo e desejar sua amizade e/ou afeto; prendia pela gratidão que julgava conseguir sendo "prestativo".


O mundo e as tais pessoas por ele veneradas como Deuses o desprezavam. Comentavam a boca pequena o quanto era chato, presunçoso e lambe-botas. Todos percebiam seu jeito dissimulado de tentar parecer ser grande, bajulando para que recebesse em troca as mesmas benesses.Usavam-no como um tapete onde se limpa os pés e depois fica jogado ao chão.


Assim passavam os dias para esse ser sem atrativos. Não tinha emprego.Nada a ele estava de acordo com seu potencial.Morava encostado na casa dos tios que o acolheram e criaram como filho após o abandono dos pais.Ambos sumiram no mundo e nunca mais deram notícias.


Um dia, em uma das suas incursões pelas ruas, visualizou dois de seus “amigos” a conversar no bar que freqüentava. Curioso e indiscreto, ele entrou sem que fosse notado, sentou-se de costas em mesa próxima e ficou a escutar a prosa alheia. Seu semblante a cada palavra ouvida desfigurava-se. Era dele que falavam entre gargalhadas!Sua aparência ridícula, sua rinite, seu pouco saber, sua hipocrisia, sua figura pequena por dentro e por fora.


Levantou-se rumo à saída. As imagens de sua existência dançavam nos seus pensamentos em chacota a farsa que ele era. Descobriu-se um nada.Na rua o vai e vem das pessoas misturavam ao trânsito a cena de horror da descoberta de si mesmo.Veio o ônibus em alta velocidade.Atirou-se na frente.Seguiu-se o baque, o amontoado de curiosos, vozes distantes e por fim silêncio e escuro. Repousa na gaveta 187.654 do Cemitério de São Jorge após ser velado somente pelos tios.

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