quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Boca da Noite

by Betha M. Costa


Desde a infância não gostava da noite. Quando no finalzinho da tarde o sol começava a bocejar e espreguiçar os seus últimos raios ao horizonte, uma estanha melancolia inundava-lhe todos os espaços. Tinha maus presságios, frios percorriam seu corpo e uma mão forte lhe apertava o coração. Procurava ocupar-se o mais que podia para que chegasse à hora de tomar seu sonífero e só acordar com o raiar do dia. Essa assustadora sensação tolhia sua vida: não freqüentava lugar algum no período noturno.No fundo de seu conturbado ser sabia que algo terrível e irreversível lhe aconteceria se saísse de casa ao anoitecer.


A família e os amigos inconformados com essa situação insistiam que ela devia sair e enfrentar seus temores. Que seu medo era irracional. E nada era tão diferente pela simples ausência da luz do sol: havia o brilho do luar ou das estrelas e que mesmo sem eles; a noite era agradável, com temperaturas mais amenas... Tanto falaram que ela resolveu: no cair da tarde iria sair.


Quando o sol começou a se despedir, ela e um grupo enorme de amigos e familiares excitados - entre vozes alegres e risadas - caminharam para a margem do rio e desfrutaram do mais magnífico por do sol. Diante da mágica daquele momento distraíram-se em conversas e histórias até que ficou tarde e muito escuro o céu...As pessoas se deram conta que já não enxergavam umas as outras e andavam as cegas tentando encontrar-se. E as vozes foram ficando cada vez mais distantes até que cada qual escutava apenas seu próprio pensamento. Fora de si tudo eram silêncio e escuro. O inimaginável aconteceu: todos foram engolidos pela boca da noite.

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