terça-feira, 5 de outubro de 2010

Homem do Saco

by Betha M. Costa




Andarilho das ruas, roupas esfarrapadas, sacola de plástico na mão onde carregava todos os bens materiais que tinha na vida, o Louco convivia pacífico com adultos e crianças. Junto com o Homem do Saco - a quem nossas mães acusavam de carregar para longe as crianças desobedientes e que saiam de casa sem permissão dos pais - ele fazia parte do folclore da rua na minha meninice.


As diferenças entre eles eram que o Homem do Saco nem um de nós nunca viu e o Louco não roubava ninguém. Ele sentava na beira da calçada, conversava e gesticulava como se tivesse ao seu lado um atento interlocutor. Falava mais de quarto de hora, tirava da sacola uma garrafa de pinga, oferecia ao ouvinte. Quando cansava, pegava um papelão grosso das suas coisas, desenrolava, fazia uma cama e dormia.Sua presença não incomodava a vizinhança que lhe oferecia refeições. No cair da noite ele ia embora e só voltava no dia seguinte. Ele fazia parte da rua e do bairro.


Mas, a infância é curiosa e logo nos reunimos e começamos a falar do homem. Por que ele vivia por ali sozinho?Não tinha família? Como ficou louco?Teria nascido assim ou bateu com a cabeça e ensandeceu?Ah, enchemos mais de uma resma de perguntas sobre o Louco!Concluímos:


- Temos que chegar ao Louco e ter as respostas!


- Mas, mamãe diz que não devo falar com estranhos... Disse um de nós.


- Acontece que o Louco não é estranho: a gente já o conhece há anos! Retrucou outro.


- Isso mesmo! Ele não pode ser considerado estranho!Concordou a maioria.


- Péra!Ele tem um saco! E se ele for o Homem do Saco?Interrompeu Zezinho.


- Anta!Se ele fosse o Homem do Saco já teria levado todos nós... A gente vive fugindo de casa pra brincar sem pedir pra mamãe... Lembrou sua irmã.


- É... Concordou o menino vermelho de vergonha.


Concluídos os “trabalhos” fomos até nosso entrevistado. Ele falava exaltado sobre um incêndio. Zezinho puxou o assunto:


- Boa tarde, seu... Seu...Seu...Como é mesmo seu nome?


O homem incrédulo que nós estivéssemos falando com ele, olhou para os lados, apontou para seu peito e perguntou:


-Vocês tão falando comigo?


- Estamos! Respondi diante do silêncio de meus amigos.


- Por quê?


- Por que queremos saber do senhor. Qual seu nome, da sua família, como veio parar aqui e por que conversa sozinho...


- Meu nome é Ninguém, eu tive família: pais, mulher, filhos... O tempo levou todos eles de mim... Fui engenheiro. Perdi o gosto e fé no trabalho e nas pessoas. Converso com as minhas lembranças e com o dia de amanhã que vai ser igual ao hoje. Venho aqui todos os dias por que as pessoas me dão de comer e até hoje não me incomodaram com perguntas. Vocês deviam ir brincar e cuidar das suas vidas!Recolheu seus pertences, foi embora e nunca mais voltou. Até hoje, adulto, o “anta” do Zezinho acha que ele era o Homem do Saco disfarçado de Louco.

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