sábado, 23 de outubro de 2010

Senhora Dona Flatulência

by Betha M. Costa




Dona Jana Flatulência é boa vizinha. Senhora na casa dos 55 anos, elegante, discreta, prestativa e solidária. Mora no oitavo andar do nosso prédio onde é muito benquista.


Como todo ser humano tem um problema de saúde. Gastrointestinal. Para ser mais precisa: ela tem crises de flatulência desde a infância.


Apesar da dieta rigorosa - onde é proibida a ingestão de feijões, cerveja, farelo de trigo, brócolis, couve, repolho, bebidas gaseificadas, cebolas, ovo e muitos outros itens explosivos - a simpática senhora não consegue se desvencilhar de situações embaraçosas causadas pelo problema digestivo.


As pessoas que gostam de dizer mal (ou fazer chacota dos males alheios) comentam a boca pequena que nos últimos 50 anos o dióxido de carbono eliminado na atmosfera por dona Jana é grande responsável pelo aumento do buraco na camada de ozônio, com consequente aumento do efeito estufa e suas repercussões dantescas em todo o planeta. Galhofas! É claro que se deve repudiar e não dar ouvidos!


Bem, numa manhã de verão eu e Bruno, meu filho de 19 anos, entramos no elevador no 2º andar, após visita a uma vizinha doente. Já vinham do andar térreo dona Jana e um senhor de aparência sóbria. Após os cumprimentos, entabulamos uma conversa trivial, quando o espaço foi tomado por um cheiro de cadáver em avançado estado de putrefação. Já acostumados - eu e meu filho - levamos nossos lenços aos narizes e continuamos o papo como se nada estive nos matando sufocados. Foi quando o senhor sóbrio gritou:


- Santo Cristo! Que cheiro é esse?


- Cheiro? Ah, deve ser a pescada amarela que eu acabei de comprar na peixaria da esquina, respondeu desajeitada a flatulenta.


- Minha senhora, deixe-me examinar esse peixe! Deve está estragado. Sou da vigilância Sanitária e se comprovada à venda de alimento estragado vou multar e até posso fechar esse estabelecimento!


- Não precisa! Disse a mulher puxando para si a sacola, enquanto o homem a puxava de suas mãos.
No sacolejo o peixe voou, bateu no teto e caiu no chão: os olhos brilhantes e guelras vermelhas. Parecia mais saudável que sua dona, que de nervoso devia ter liberado no mínimo mais meia dúzia de flatos.


- Arrrrrrr!Eu preciso de arrrr!Desesperou-se o visitante, enquanto nossa vizinha guardava de volta o pescado na sacola.


Meu filho que cursa o segundo ano de medicina, para salvar nossa amiga do vexame disse:


- Estranho... Não estou sentindo cheiro nenhum, e a senhora mãe?


- Nem eu... Respondi cruzando os dedos diante da mentira deslavada e quase desmaiando pelo odor insuportável.


- Acho que o senhor devia consultar um neurologista. Pode se uma aura epilética: cheiro forte, visão de luzes prateadas ou coloridas, sons, outras sensações que a pessoa não consegue descrever...


- Será? Surpreendeu-se o homem descendo no 6º andar.


Calados, nós seguimos viagem. A distinta senhora ficou no oitavo. Saímos disparados no décimo andar. Esbarramos com Diego (meu filho de 17 anos) na entrada do elevador, que imediato pulou para fora e perguntou:


- A Dona Jana estava aí, né?


- Ahn-ran!...Respondemos em uníssono.


- Tudo bem!Preciso fazer exercício... Vou pelas escadas!Retrucou rindo...

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