segunda-feira, 23 de agosto de 2010

A Criatura – Parte I

by Betha M. Costa


Vilarejo cercado por mata fechada. Copas de verdes árvores amazônicas faziam das manhãs noites sem fim. Era uma abafada tarde de julho, ano que ninguém lembra (ou prefere não lembrar), quando nasceu a Coisa. Vista somente pela parteira Dona Moça, Seu Gumercindo (pai) e pela mãe Dona Flora. Emitia um som gutural tão assustador quanto o horror do trio que olhava aquele ser disforme.De imediato fizeram pacto de nunca comentarem sobre aquela triste existência.


Dona Moça voltou aos seus afazeres. Os pais ficaram no desespero do quê fazer com a mistura de seres diante de si, que nem sexo tinha definido. A mãe temente a Deus decidiu por não matar ou abandonar na mata. Na falta de um nome que lhe pudessem atribuir, chamaram do primeiro que veio a mente: *Ailã. Dona flora logo avisou que não iria amamentar “aquilo” e o pai para tentar acalmar o quê deveria ser um choro de bebê foi ordenhar a vaca.


O recém-nascido não aceitou nenhum tipo de leite que lhe foi oferecido: vaca, cabra e até o materno que Dona Flora retirou espremendo os peitos. Nada conseguia alimentá-lo e quanto mais faminto mais alto gritava.


Certa hora Seu Gumercindo tratava com o facão uma galinha caipira. Pretendia fazer uma canja para alimentar à parturiente. Atordoado com o “choro" incessante de Ailã, quase decepa o indicador esquerdo. Seu sangue misturou-se ao da ave enquanto ele dizia palavrões. A mulher chamou em desespero suplicando que “a Coisa” fosse levada para fora da casa. O pobre homem enrolou o dedo ferido em um trapo e correu para pegar a criaturinha. O sangue não parava de jorrar do dedo ferido quando sentiu que o bebê o sugava com sofreguidão e parecia deliciar-se com o rútilo líquido. Descobriram como alimentá-lo: o pai matava aves e outros animais, retirava o sangue dava-lhe para beber e assim ele cresceu.


*Ailã - na língua indígena Macuxi significa entidade mítica.

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